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quinta-feira, 20 de março de 2014

LUXO

Crônica da Luxúria

O Nascimento de Vênus, de Sandro Botticcelli

      Talvez você já tenha escutado de alguém frases parecidas com “Legal a reforma, esta casa ficou um luxo!” ou “você está lindo, está um luxo!” não é? A palavra “luxo” hoje em dia traz em si uma conotação de beleza, brilho, transcendência sobre o comum. Mas de onde vem essa simpatia pelo luxo, historicamente condenável em tantas crenças e filosofias, e que modernamente se desdobra para o encantamento do indivíduo com si mesmo, com o que faz e como quer que seja visto?
      Na igreja cristã, a luxúria é o pecado capital mais preocupante, uma vez que, pelo luxo, se descortinam outros crimes morais como vaidade, fetichismo, inveja e até morte. Em outras culturas temos esse estado vinculado a deuses como a grega Afrodite (a Vênus dos romanos), a egípcia Anuket e Tlazoltéotl, da mitologia asteca. Em Bhagavad Gita, livro religioso hindu, o Senhor Krishna disse: "É a luxúria, nascida dentre a paixão, que se transforma em ira quando insatisfeita”. A história nos ensina conceitos muito negativos para o luxo. Acredito que hoje o luxo mistura-se conceitualmente com esplendor, cujo significado está mais para o magnífico, o brilhoso, o lindo.
      Encontrei em textos bíblicos referências ao luxo por meio do vocábulo concupiscência, cujo significado é justamente inclinação à luxúria, aos prazeres pecaminosos: “Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo.” 1 João 2:16. Do que eu gostei e encontrei afinidade com o fenômeno das redes sociais foi “Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua própria concupiscência.” Tiago 1:14. Veja bem, “a sua própria concupiscência” é o sentimento de se parecer luxuoso que cada um de nós leva em nosso id – palavra latina que, em psicologia significa a parte da estrutura psíquica de onde provêm os impulsos instintivos, o princípio do prazer e o desejo impulsivo. É aquele desejo lá no íntimo de mostrar ao próximo que você está comendo uma comida mais cara que o normal, em férias numa linda praia, usando uma roupa elegante ou simplesmente, diante do espelho, mostrar o celular novo e caro. Lembrou agora as redes sociais?
       Luxo é, pois, inerente à existência humana. Não precisa ser rico para ser luxuoso, uma vez que a luxúria está muitas vezes na atitude, e não no status. Ninguém admite, nos conceitos apresentados, que vislumbra ser luxuoso. Prefere-se admitir que alcançou a prosperidade em algum aspecto. Criamos um pedestal para nós mesmos, admitindo ser uma vaidade “sadia”, autopromoção, a ideia de que “nascemos para brilhar”, e assim os espelhos se enchem de retratos efusivos. Nas minhas memórias de leitor, existe o famoso espelho que conversa com a malvada rainha, sendo questionado por ela: "Espelho, Espelho meu, existe no mundo alguém mais bela do que eu?". Esse conto é tão moderno que assusta. Grande abraço!

Professor Guilherme.