O Nascimento de Vênus, de Sandro Botticcelli
Talvez você já tenha escutado
de alguém frases parecidas com “Legal a reforma, esta casa ficou um luxo!” ou “você
está lindo, está um luxo!” não é? A palavra “luxo” hoje em dia traz em si uma
conotação de beleza, brilho, transcendência sobre o comum. Mas de onde vem essa
simpatia pelo luxo, historicamente condenável em tantas crenças e filosofias, e
que modernamente se desdobra para o encantamento do indivíduo com si mesmo, com
o que faz e como quer que seja visto?
Na igreja cristã, a luxúria
é o pecado capital mais preocupante, uma vez que, pelo luxo, se descortinam
outros crimes morais como vaidade, fetichismo, inveja e até morte. Em outras
culturas temos esse estado vinculado a deuses como a grega Afrodite (a Vênus dos romanos), a egípcia Anuket
e Tlazoltéotl, da mitologia asteca. Em Bhagavad Gita, livro religioso hindu, o
Senhor Krishna disse: "É a luxúria, nascida dentre a paixão, que se
transforma em ira quando insatisfeita”. A história nos ensina conceitos muito
negativos para o luxo. Acredito que hoje o luxo mistura-se conceitualmente com
esplendor, cujo significado está mais para o magnífico, o brilhoso, o lindo.
Encontrei em textos bíblicos
referências ao luxo por meio do vocábulo concupiscência, cujo significado é
justamente inclinação à luxúria, aos prazeres pecaminosos: “Porque tudo o que
há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba
da vida, não é do Pai, mas do mundo.” 1 João 2:16. Do que eu gostei e encontrei
afinidade com o fenômeno das redes sociais foi “Mas cada um é tentado, quando
atraído e engodado pela sua própria concupiscência.” Tiago 1:14. Veja bem, “a sua
própria concupiscência” é o sentimento de se parecer luxuoso que cada um de nós
leva em nosso id – palavra latina que, em psicologia significa a parte da
estrutura psíquica de onde provêm os impulsos instintivos, o princípio do
prazer e o desejo impulsivo. É aquele desejo lá no íntimo de mostrar ao próximo
que você está comendo uma comida mais cara que o normal, em férias numa linda
praia, usando uma roupa elegante ou simplesmente, diante do espelho, mostrar o
celular novo e caro. Lembrou agora as redes sociais?
Luxo é, pois, inerente à existência
humana. Não precisa ser rico para ser luxuoso, uma vez que a luxúria está
muitas vezes na atitude, e não no status. Ninguém admite, nos conceitos
apresentados, que vislumbra ser luxuoso. Prefere-se admitir que alcançou a
prosperidade em algum aspecto. Criamos um pedestal para nós mesmos, admitindo ser
uma vaidade “sadia”, autopromoção, a ideia de que “nascemos para brilhar”, e
assim os espelhos se enchem de retratos efusivos. Nas minhas memórias de
leitor, existe o famoso espelho que conversa com a malvada rainha, sendo
questionado por ela: "Espelho, Espelho meu, existe no mundo alguém mais
bela do que eu?". Esse conto é tão moderno que assusta. Grande abraço!
Professor Guilherme.