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quinta-feira, 31 de maio de 2012

O alfabetizado e o leitor


     qMuito escuto em ambientes informais, entre colegas em reuniões, conversas de pátio, frases do tipo “esse menino não sabe ler”, “essa menina não sabe escrever”, e, no meio de cada hiato, olhares curiosos direcionados aos professores de português. No calor da discussão, aparece aquele clichê: “o problema está na base”. E eu penso... de que base essa máxima se refere? A base, para mim é toda a escola, todo o percurso do educando até a sua formação como indivíduo atuante.
       A consciência da liberdade e o preparo do indivíduo para o mundo partindo da escola é um conceito que Paulo Freire apontou e que centenas de acadêmicos vêm teorizando em monografias. Mas do conceito para a prática há o oceano da ignorância, do descompromisso e da falta de critérios de muitos profissionais da educação. Fica mais fácil apontar a tal “base” como vilã, a terrorista da má formação escolar, eximindo-se da própria culpa, como se pertencesse a um nível superior do ensino. Cabe, neste momento, lembrar a professora Magda Soares, no livro Alfabetização – Brasília: MEC/INEP/COMPED, 2000 – : “É preciso promover a reflexão sobre a crítica para que ela seja compreendida nos usos e nas funções sociais presentes no cotidiano”.
       Soares é ótima quando, na vastidão dos seus textos, discute a diferença entre alfabetização e letramento. A alfabetização é o primeiro encontro com a comunicação escrita; é a formação da identidade do potencial escritor. Um processo germinal, mecânico, motor. É a proposta de uma habilidade que será desenvolvida nas fases seguintes. Letramento já é o processo social, a aquisição da competência linguística como ferramenta de transformação. É na fase de letramento – e essa não se dá em tempo determinado – que a língua se torna veículo de valores, preconceitos, credo, utopias, manifestos e propagação de correntes ideológicas.
       Então, o pai, o professor, o amigo que escutar alguém dizer que “fulano não sabe ler”, deve levar em conta que “ler” é uma habilidade que pode demorar ciclos e até anos para que se tenha o domínio. Há pessoas que são escolarizadas, mas ainda não são letradas, sabia? Decifrar sílabas, palavras, frases, ter boa postura de voz e pronunciar belissimamente as palavras não tem nada a ver com saber ler. Leitor é aquele que entende o que leu, percebeu as entrelinhas, os jogos intertextuais, as mensagens subliminares. Quem, no começo deste texto, disse que aquele menino não sabia ler, talvez ele próprio também não seja tão leitor assim.

domingo, 27 de maio de 2012

O pó, o cascalho e o ouro.


                                                       O PÓ, O CASCALHO E O OURO     
                                                                                            Por: Guilherme Bonotto

        Às vezes, a internet assemelha-se àquele baú que havia em casa de minha avó. Nele, muitas lembranças – umas prazerosas, muitas fúteis – são guardadas, vindo à tona somente naqueles dias de faxina geral. E foi assim, distraidamente, que encontrei algumas recordações de décadas que, verdade, umas nem vivi.
            De passagem por um sítio de vídeos, encontrei, e não pude deixar de fazer download, comerciais de TV das décadas de 50, 60 e 70. Imediatamente, lembrei-me de que estou trabalhando com meus alunos do fundamental a "redação publicitária". Nós, que estamos acostumados a comerciais que exploram o máximo do recurso imagético, ilustrativo, a sensibilidade visual com jogos semânticos intertextuais, esquecemo-nos um pouco do texto em si, da persuasão por meio de palavras, do verbo. De fato, no “princípio era o verbo!”. Herança do rádio, os comerciais eram basicamente falados, apenas mostrava-se o produto e sua utilização, mas era o verbo quem sustentava o argumento. Nesta semana, exibirei algumas pérolas para a turma, e veremos a reação que vai dar.
          Para o ensino médio neste segundo bimestre, mostrarei uma polêmica crônica do jornalista Gilberto Dimenstein, publicada nesses dias no sítio da Folha de S. Paulo, intitulada “O milagre da educação”. Polêmica porque ele diz que “as novas tecnologias ajudam as pessoas, especialmente sem recursos, a ficar mais educadas”. E felicita-se por concluir que “quanto mais esses recursos forem disseminados, mais anos vamos ganhar em nossa educação, onde faltam professores de qualidade, especialmente na rede pública.” Imediatamente, dezenas de internautas manifestaram-se contra a ideia, argumentando que, no Brasil, a educação pela Internet ainda está distante da nossa cultura, uma vez que milhares de adolescentes usam a Rede em busca de relacionamentos, fofocas, jogos e “bate papo”. Além disso, a colocação de que “faltam professores de qualidade na rede pública” é infeliz por ser generalizante.
        Mais sólido foi o artigo “O texto na era digital”, de Edgar Murano, e estará presente em uma das provas do ensino médio. Em passagem, ele diz que “[...] Hoje, com mais de 37 milhões de usuários de internet só no Brasil, essa tradição de escrita parece mais viva do que nunca, impulsionada por novas tecnologias e amplificada pela comunicação em rede. Não é exagero afirmar que e-mails, blogs e redes de relacionamento já deixaram sua marca na produção textual contemporânea.” Este sim, parece mais fundamentado. Mas não estou aqui para desprezar um em detrimento de outro. É justamente na análise, na crítica e na comparação dos argumentos que crescemos como formadores de opinião.
         Pois então, continuo cauto garimpeiro desse espaço virtual, extraindo do aluvião o pó, o cascalho e o ouro.